sábado, 12 de abril de 2008

Sem nome



“O mundo é talvez: e é só.
Talvez nem seja talvez
.”
Drummond, Cantiga de enganar.

Eu, que gosto de escrever, quase sempre quero falar de tanta coisa em meus textos, mas sinto deficiências terríveis para transcrever tudo. Nem sempre dá, nem sempre é possível. Daí me apego a banalidades do meu mundo quase quadrado e vejo que realmente tenho pouco a dizer. Nada se ajusta. Nada serve. Tudo é lixo literário porque o “como dizer” sai estranho, sem forma definida, me desagrada, daí acabo desistindo. Não que eu tenha altas pretensões literárias, imaginem. Nem quero que este espaço aqui sirva pra isso. Não é o momento nem o lugar...
Porém eu gostaria de ser mais fluente, de poder traduzir melhor essa dor que me vem ao peito às vezes e que não dói. Gostaria de falar mais demoradamente e com riqueza de detalhes, tal qual um Eça, sobre essa angústia acerca do nada. Queria falar sobre esse desespero cego-surdo-mudo, sem forma nem cor nem som nem cheiro, que me incomoda tanto desde cedo, quando descobri o que é ser gente.
Isso deve se passar com milhões de outros seres humanos, eu sei. Mas é um descontentar-se de descontente tão grande às vezes que penso que carrego isso sozinho, que trago com exclusividade esse algo indefinido que nem terminologia exata tem. Daí me atrevo a sofrer o sofrimento dos poetas – que ao contrário de mim, tinham maturidade suficiente para pôr artisticamente em palavras esse incômodo –, mas o sofro de modo capenga, quase incorreto, desajustado porque sei bem que não o aceito bem. O poeta parece aceitar melhor e por isso sofre melhor, sofre mais bonitamente.
Penso que todos compreendem bem o que eu gostaria de dizer. É que minha sensação de não-dito é sempre mais forte. Por isso, apenas penso, nem chego a ter certeza. Não tenho tido certeza de nada há, pelo menos, 15 ou 20 anos. E tudo parece resumir-se a isso: um buraco sem vazio, onde um sentimento que foge a todas as definições se esconde e se desmaterializa no vácuo. Mas não deixa nunca de existir. E por isso incomoda.
Talvez seja mesmo isso o que sinto. Rodeando, chegando perto, até dá pra falar sobre. Mas definir que é bom a gente nunca consegue. E o sentimento continua aí, fazendo pensar quem se dispõe a olhar pra ele e questionar... E quando a gente pensa, por mais que pense, nunca consegue traduzir. E chama tudo de coisa: “Estou sentindo uma coisa”; “Tem uma coisa aqui dentro que não sei o nome, mas é uma coisa que me incomoda tanto...”.
E assim se vai vivendo. Dá pra ser feliz, não nego, mas essa coisa faz a gente ter esses momentos de profunda tristeza. E essa tristeza, motivada pela coisa, faz com que até tenhamos assuntos sobre os quais falar quando temos vontade de escrever. No fundo, então, nem é tão ruim assim...

P.S.: Achei que este post merecia ficar sem nome. Então, ele sai assim: “sem nome”.
O quadro é de Iberê Camargo, 1986.
Sem título.