sábado, 23 de maio de 2009

Amigos inimagináveis


Meus amigos me emocionam tanto, tão fortemente, tão grandemente. Os que passaram, os que foram, os que ficaram e os que ficarão. Eu tento valorizá-los ao máximo; acho que é o mínimo que posso fazer por mim e por eles. Tento conservá-los em minha mente, bem impressos, o mais nítido possível, com toda a densidade que lhes é atribuída naturalmente – porque são importantes para mim. E luto para ser importante para eles.
Engraçado é como antes, forçado por não sei que sentimento de autoexclusão do mundo impalpável e profundo dos sentimentos, eu não me permitia ver, sentir e tocar o amor sublime de uma amizade. E isso faz tanta diferença hoje em minha vida, que não sei como consegui viver tanto tempo sem me permitir amar de verdade as pessoas que não são nossa mãe nem nosso pai nem nossos irmãos ou quaisquer outros parentes.
Acho que a gente cresce meio ressabiado com os outros que não pertencem a nosso núcleo familiar. Talvez por influência da nossa própria casa, sempre nos ensinando a ser atentos com os “estranhos”. Daí que minhas relações de amizade até certo momento de minha vida sempre foram numa corda bamba. Pendendo pra lá e pra cá, mal-equilibrando-se na balança do meu julgamento frio.
Talvez por isso, quando eu era criança, para suprir essa falta imensa, eu tive um amigo imaginário. Eu conversava com ele sobre tudo. E ele me conhecia tanto e tão profundamente que um simples olhar bastava para que nos compreendêssemos. Lógico que ele não tinha forma definida: era um alguém, quase um algo, uns ouvidos, uns olhos, umas mãos, uns ombros. Tudo isso junto, reunindo os elementos necessários para eu usar quando precisasse. E com ele eu podia ser fraco e forte ao mesmo tempo, inteligente e burro, sagaz e ingênuo, doce e amargo, puro e vil... Mas o que mais me atraía nessa relação era poder compartilhar com ele minhas descobertas de mundo, meus devaneios sobre o ser, sobre o estar. Eu me descobria e me permitia me mostrar somente a ele. Éramos cúmplices.
Pode ser que isso seja apenas coisa de minha mente adulta de hoje que, rememorando, reconstrói de modo mais claro como supostamente foi minha infância, minha adolescência, meu jeito de ser antes do estado de razoável consciência que julgo ter atualmente. Mas essa foi a maneira que encontrei de explicar a mim mesmo algo que constatei já há algum tempo: foi simplesmente maravilhoso perceber, assim de um jeito quase distraído, que, no presente, os seres que chamo de amigos são claramente os substitutos desse meu amigo imaginário, que se foi junto com meu jeito infantil de encarar o mundo. O que eu sonhava como amigo, o meu protótipo de companheiro perfeito, transformou-se na boa porção de amigos que me rodeiam e me servem de esteio. Somos cúmplices. E eu amo todos eles – e prefiro nem nomeá-los aqui, porque eles sabem quem são –, do jeitinho defeituoso e ao mesmo tempo perfeito que cada um tem de ser meu melhor amigo.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Janela


Da janela lateral vejo outra paisagem. Vejo outra vida, novas convivências, outras diligências, nova ventania, outro pôr de sol. E no entanto é tudo o mesmo.
O mês que passou não teve texto, mas acho que só porque tudo foi bastante intenso, decisivo, cansativo e denso. E no entanto é tudo o mesmo; o mesmo sim, mas recheado de novidades: pois vi e ouvi, bem de pertinho, a voz de Milton. Tão forte, tão densa, tão fina. E que aura tem essa figura... E olhei Tom, mirei Zé. Pois eu senti momentos bonitos que compartilhei com amigos. Água, praia e sol, cerveja, jantares, conversa na varanda, café com bolo de fubá. Tudo simples e bom, tal como merecíamos. E que bom é saber que no trabalho, extensão de nossa casa, há pessoas que vão ficar marcadas de forma tão positiva. Pois eu me questionei novamente e novamente não cheguei à conclusão alguma. Pois eu me decepcionei com pessoas – que, na verdade, não tinham obrigação alguma de me agradar... Pois eu cresci bastante nesse mês. Pois é assim que tem sido minha vida.
Abril foi mês de tudo isso. E foi o mês de descobrir que posso ir me readaptando. Que as coisas vão, como sempre, se resolvendo. Que o mundo está lá fora me esperando. E eu, ansioso, aguardo o sinal dos ventos. Tudo isso olhando a nova paisagem, da janela lateral, ao som do apito do trem.