terça-feira, 13 de outubro de 2009

Músicas que me revelam


Há uma mania que tenho: lembrar e cantar certas músicas nos momentos mais inusitados. Mas são momentos com ganchos, sabe? Aqueles momentos em que alguém diz uma frase, combina uma palavra a outra e lá estou eu lembrando do verso de uma canção qualquer. Boa ou ruim, de acordo com o que julgo ser bom ou ruim nesse quesito. Tem quase sempre um tom engraçado nas conversas, mas a intenção nem sempre é essa. O papo está ótimo e estamos falando de política, moda, novela ou Afeganistão. Daí a bendita frase se faz presente e eu cantarolo a música. Não tem jeito. Se o interlocutor conhece ao menos o refrão, é meio caminho andado pra sairmos cantando, desviar o assunto e instantaneamente rir da situação. Exemplo? Tem aos montes. Mas lembro poucos agora, porque memória imediata não é comigo...
“Quando a gente conversa...” sempre me leva a um Cazuza. Dizer que é setembro, portanto, “é primavera”, me faz cantar Tim Maia. Um “não adianta”, me lembra Roberto e Erasmo. E assim por diante.
Mas eu estava pensando outro dia... Isso pode beirar a loucura. Há outras situações, mesmo quando estou sozinho, em que isso também acontece. Ao entrar no banho e olhar pra cima pra verificar a posição do chuveiro, a música “Inverno”, de Adriana Calcanhotto, invade o box. Incontrolavelmente. Caetano também insiste em vir à minha mente quando passo pela famosa esquina. Lógico, isso não deve ser exclusividade minha. Mas, gente, eu passava todo dia por lá e todo santo dia a música vinha à minha cabeça... Uma vez tudo bem, mas todo dia já é loucura.
É hábito, mania, quase TOC. Mas não estou reclamando. E isso tudo é desculpa, ao menos aqui, pra me fazer pensar na minha relação com a música.
Eu sempre fui de ouvir de tudo um pouco... Meio forçado, quando pequeno, porque eu era curioso e sempre buscava as rádios diferentes pra ouvir música diferente do sertanejo romântico e modas de viola que eram comuns em casa. E eu achava. E eu ouvia falar em uns gêneros diferentes. E eu engolia o que a TV mostrava e lidava até bem com aquilo. Mas eu tinha uma ânsia maior por músicas novas. Queria bem saber o que cantava o tal Jobim e o Vinícius. Chico era tão raro também. E o que era mesmo a tal da Nona Sinfonia, hein? Quem eram esses tais Beatles, revolucionários e até então nada significativos na minha vida?
A tal educação musical a escola não soube ou não pôde me dar. Em casa, tampouco tive isso. Sinto falta. Senti por muito tempo. Coral de igreja era mais passatempo, brincadeira e desculpa pra fazer algazarra com os amigos. Enfim, o tempo foi passando e eu me vi adolescente sentindo uma enorme ausência. A arte musical não fazia muito sentido pra mim. Mas eu sabia o quanto ela era boa e fundamental. A educação musical só não era a formal... Ela, porém, inconscientemente existiu.
Minha mãe sempre cantarolava afinadamente fazendo o almoço ou lavando a roupa. Tudo simples e lindo. Me lembro até mesmo das canções de ninar, de bicho papão em cima do telhado, de “mãezinha do céu, eu não sei rezar...”. A religiosidade sempre permeou essas músicas que cresci ouvindo. Folia de Santos Reis, terços cantados, missas. Minha avó materna também era dessas mulheres que só trabalham cantando. Com o pé subindo e descendo no pedal da máquina de costura, dona Alzira fazia tapetes, cerzia calças e cantava “Moreninha linda” e “Onde Deus fez a morada, ai, meu Deus...”. Meu pai assobiava. Meu tio murmurava. Meus irmãos colecionavam fitas cassete do Raul Seixas, do Michael Jackson e do U2. Eu usava o gravador e ficava buscando músicas novas no rádio. Bons tempos sem a internet e o Mp3.
E assim me criei num mundo mais musical do que imaginava. Sim, porque já quis saber de outras pessoas como foi a relação delas com a música... E é bom poder dizer que eu, meio sem querer, fui sendo incentivado a gostar de boa música, de notas musicais perfeitinhas e bem sincronizadas. O gosto a gente vai apurando com o tempo. O tempo, que deixou mais fácil essa relação das pessoas com a música. O tempo que transforma as relações das pessoas com tudo que as cerca. Até com a música... Ao menos, hoje se pode ouvir a música que se quer quando se quer. E como isso era para poucos antes.
E hoje já seleciono, escolho melhor. Não conheço nem um décimo do que gostaria. Mas já posso me considerar privilegiado por poder ouvir e conhecer tanta coisa. E saber porque é que se critica tanto as músicas da massa. Concordando em alguns pontos, discordando em outros, a gente segue “caminhando e cantando e seguindo a canção”.
Tão bonito cantar junto uma canção que nos faz bem (e o canto coral entrou em minha vida por conta disso), que nos faz lembrar coisas boas. Tão bom apreciar boa música, boas letras, bons artistas. E viva a diversidade musical. E viva a música, essa força estranha que insiste em fazer parte dos meus dias.
Que seja assim sempre.
E de que música isso tudo te fez lembrar?