segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Ler "é negócio muito perigoso..."


Há um mundo inteirinho esperando para que eu o leia. Cada palavra, cada linha, cada parágrafo, capítulos e capítulos de mundo. Romances, contos, crônicas, versos. E eu espremo meu tempo para tirar dele mais proveito, para encaixar nele mais desse mundo de letras pelo qual tenho tanta afeição. Eu amo livros. Mas eu queria tanto poder tê-los mais perto do que já estão (pra quem não sabe, tenho a sorte de ajudar a fazer livros para crianças e jovens), mais perto de mim, mais dentro da minha cabeça.
Daí resolvi encarar o desafio de encarar a leitura do Grande Sertão: Veredas. Denso, profundo, bravo, agreste. Mas vou ler acompanhado, para não me perder. Com Camila, com Sol, ambas me iluminando (quem quiser participar, está convidado). E essa história toda, de Riobaldos e Diadorins, me fez pensar nessa imensidão de livros e de mundo que ainda tenho por descobrir. E me fez pensar também em como tenho a sorte de saber o tamanho da importância que um livro – e a literatura de um modo geral – pode ter na vida de alguém.
Eu posso dizer que descobri a vida lendo. Eu ingressei numa carreira por gostar de ler, por ter lido (não muito, não tanto como gostaria) e por ter gostado do que li. Penso que meus colegas letrólogos enveredaram pelo mesmo caminho por conta dessa afinidade com o mundo das letras também. Eu me considero uma pessoa mais feliz e ao mesmo tempo mais infeliz por ter tido acesso a esse mundo claro-escuro dos livros. E olha que ainda nem li 10% de tudo o que acho pertinente e necessário. Fazer o quê? Tenho de dividir e encaixar constantemente o meu tempo. E essa inexplicável felicidade-infeliz é a coisa mais mágica que o ser humano pode encontrar.
Por mais que seja ruim falar em privilégios, me sinto um privilegiado: por saber que esse mundo existe e por poder ter a chave para conhecê-lo. Basta que eu queira. É péssimo saber que muita gente se exclui ou é excluída desse mundo. Eu queria que esse universo todo fosse de todo mundo. Mas não é. Mas não é...
Enfim, tudo isso foi pra falar do meu êxtase em poder desbravar um pouco mais desse imenso sertão de letras que é a literatura. Arte que é sertão sim, mas que também é floresta, é deserto, é gelo, é chuva, é mar e rio, é calor e frio. E é algo inexplicável, inenarrável. Só sei que me toca de um jeito e me faz viver... E “viver... O senhor já sabe: viver é etcétera...”.

A foto é da instalação "Grande Sertão: Veredas", concebida por Bia Lessa. Museu da Língua Portuguesa, São Paulo, 2006.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Sobre histórias, pensamentos e sentido (?)


Volta e meia pergunto a mim mesmo sobre o sentido de muitas coisas. Para quê, eu não sei. Por que quero ter explicações plausíveis pra tudo? Medo, insegurança... Olho ao meu redor e questiono se aquela senhora de cabelos semi-grisalhos que sacoleja comigo no trem da manhã pensa o mesmo. Que tipo de preocupação vai na cabeça dela, que olha a paisagem ladeada de trilhos de cor ferruginosa. Definitivamente não são as mesmas. Ou serão as mesmas, só que de outro jeito?
A senhora com seus pensamentos me faz pensar nas outras tantas pessoas que dividem comigo o vagão. Porque assim como a dela, as histórias dessas pessoas me comovem. Mesmo sabendo que tais histórias vão só nas cabeças delas, fico tentando inutilmente imaginar o que está por trás dos olhares vazios e ansiosos pela próxima estação. Exceto por uns e outros que resolvem contar pequenos trechos de suas sagas ao amigo ouvinte, ali do lado, receptivo e disposto a dialogar, a maioria dos que compartilham aquele reflexivo espaço vai com os pensamentos bem guardados em suas mentes. E todos têm tanta história...
Ninguém ali, justamente por não me conhecer, sabe quem sou eu, o que faço, o que fui, o que pretendo ser. Talvez tampouco interesse. Nesses momentos até gostaria de parecer que não sou nada nem ninguém... Gostaria de ser apenas o rapaz de cara amarrada e mochila meio surrada nas costas – este detalhe só é possível quando o espaço disponível no trem permite –, alguém que não fede nem cheira, alguém que é só um algo, um existir efêmero, um cara, um homem, um ser qualquer. Porque passar despercebido é não comprometer minha história com a história de ninguém.
Só que é impossível. Tem sido impossível. Quando falo em “sensação de mundo” é a isso que me refiro. O mundo grita e não consigo fingir que não vejo. A senhora de cabelos semi-grisalhos está indo para mais um dia ferrenho de trabalho e acabou de deixar em casa os dois filhos e a mãe doente. O marido chegou tarde ontem, muito bêbado e exigente. Saiu mais cedo que ela hoje, é trabalhador, honesto; no entanto não consegue não deixar amargas as vidas dos de sua família.
É a história dessa mulher pensativa e resignada que me faz me questionar sobre o sentido de todas as coisas que estão a minha volta. Me comove imaginar tantos dramas em vidas tão corriqueiras. Me deixa atônito a gravidade das situações vividas por todas essas pessoas.
O trem buzina, a porta se abre e eu desembarco. E a mulher de cabelos semi-grisalhos segue sua vida, fazendo como faz todo dia. E eu sigo a minha, agradecendo à mulher, objeto de minhas reflexões, pela oportunidade de me emprestar sua provável história para que eu possa tentar preencher as lacunas desse meu pensamento que voa tanto, sem motivo, sem itinerário e sem destino.