domingo, 24 de fevereiro de 2008

Carta a uma amiga distante



Olá
Deve estar tudo ótimo por aí. O clima, sabemos, não é dos mais aconchegantes, já que para quem nasce em país tropical qualquer coisa abaixo de 10 °C é bastante complicado de suportar. Mas há tantas coisas que compensam isso. Aposto que o calor do aquecedor faz até esquecer que o gelo (há gelo?) ainda paira solene sobre as calçadas. Melhor ainda: a perspectiva da primavera chegando na cidade-luz deve ser algo tão excitante que faz as pessoas desejarem invernos cada vez mais rigorosos.
Penso que essa talvez não tenha sido uma maneira convencional de se começar uma carta. Que bom. Abaixo as convenções, não é verdade? O trabalhador médio - o de 8 horas por dia e salário que dá para pagar as contas no fim do mês – não tem de se submeter sempre às convenções. Senão enlouquece, surta, atira, se atira. Até nos pequenos detalhes é bom subverter (na realidade, é só nos detalhes imperceptíveis que temos coragem de subverter, afinal de contas, ninguém quer revolucionar a toda hora). Por isso tudo escolhi começar falando sobre o clima daí.
Isso sem querer me fez lembrar da função fática – aquela para testar o canal de comunicação – e automaticamente me remeteu à nossa faculdade. Por mais digressivos que estejamos, sempre há um caminho que realiza a ligação, estabelece o link necessário para que iniciemos uma conversa com pé e cabeça, decentemente.
Pois é, nossa faculdade. O curso que, de certa forma, possibilitou que nos conhecêssemos melhor. Talvez não. Talvez sim. Acasos, coincidências, destino, fado. Um curso em comum, um estágio em comum e lá estávamos nós aptos a estabelecer relação. E que bonito foi saber que de ambas as partes havia a necessária empatia, fundamental para que as pessoas suportem umas as outras. E ficamos amigos. Daqueles amigos de rir antecipadamente das possíveis piadas que se criariam a partir de uma situação. Amigos de chorar, de doer, de viajar junto rumo ao desconhecido, às cegas, a fim de fazer algo diferente por nós e pelos outros. Amigos de saber dos anseios do outro, de dar bronca, de pedir e dar conselho.
Agora você aí. Agora você no mundo – isso te lembra que amiga em comum? –, vivendo o futuro que traçou para si. Amigos são assim, vão e vêm. Eu jamais acharia essa frase boa para essa ocasião se não a interpretasse ao meu modo. Amigos vão e vêm sim, e jamais se desprendem por mais distantes que estejam. Você foi e vai voltar em breve. Para junto de nós, para junto de sua família e de seus amigos. Maior. Grande. Renovada.
Bem, já que eu não quis fugir tanto assim às convenções, vou falar um pouco de como estão as coisas por aqui – não posso me desviar muito do gênero, senão Bakhtin se assusta... Nessa semana teve eclipse total da lua. Vi da janela a sombra da Terra encobrir o satélite. Nessa semana também teve enchente. Nessa semana teve assalto, morte, vida, sorrisos, flores, gargalhadas, beijos, cheiros, novidades, amores, prazeres, desejos. Teve de tudo um pouco, como sempre. Teve saudade também, teve vontade de ver pessoalmente alguém que está do outro lado do Atlântico.
Tenho certeza de que você também tem coisas para falar. Sobre torres, arcos, senas, campos elíseos, flores, amores, beijos, saudades, crianças, estudos, cores, cheiros, sabores. Sempre haverá coisas novas sobre o que falar. Basta estarmos dispostos.
De minha parte, acho que isso tudo já é o suficiente para encerrar essa carta que, infelizmente, sai curta e não vai via correio – era tão mais emocionante antes, mas que bom que o correio ainda existe como possibilidade. Tenha certeza ao menos de que esta é a primeira de muitas... Não tem graça falar tudo de uma vez. Melhor mesmo é criar possibilidades de novos contatos futuros.
Um enorme abraço. Um enorme beijo. Uma imensa torcida por dias cada vez melhores nesse ano todo de aprendizado que você tem pela frente.
De seu amigo

5 comentários:

Anônimo disse...

Ai ai ai ai ai... Eu sou a amiga em comum??? hehehe... Difícil de adivinhar... rsrs...

Que coisa mais linda, Gil. Que coisa mais linda, Déia. Sim, porque esta carta é carta do Gil e é carta da Déia. Dos dois laços que unem essa amizade e de todos os outros laços que unem esse laço. Desses laços que construímos ao longo dos anos e que pretendo carregar pela vida toda. Esses dias no supermercado com o Gil, me vi desesperada:

- Gil... Será que a gente vai se afastar??? Vai sumir??? Vai ficar distante como tantos??? Não será triste???

O Gil tentando aplacar meu desespero me disse que não, que a nossa amizade é diferente, que a nossa turma é diferente, que sempre haverá aquele amor, que nunca nos afastaremos. Sim, esses laços que me unem a vocês e que unem uns aos outros (uns mais com alguns, outros mais com outros), essa rede de amizades tão linda... Espero que continue, que prevaleça, que seja eterna. Que vocês estejam em todos os lugares e que em todos os lugares que eu estiver vocês estejam comigo. Mais do que no coração, que exista a presença que fala, que canta, que dança de mãos dadas. Que ocorram encontros, festas, risadas, que a gente continue crescendo e dividindo os caminhos, os sonhos, as coisas que acontecem...

Lindo o texto, lindas as amizades. Linda menina que está longe e tanto aprende por esses lados... E que mergulha seus olhinhos tão cheios de poesia e luz nessa cidade tão viva...

Beijos para os dois amigos. De mãos dadas apesar de longe. Sempre perto, sempre dentro, sempre lado a lado.

Amo os dois. Bem grande. Em todos os lugares do mundo. Literalmente.

Camila

Meio assim... disse...

E eu que já estava feliz simplesmente pela tua conquista, que me sentei na mesa para jantar com a Françoise e o Thierry morrendo de vontade de dizer a eles que meu amigo havia conquistado uma coisa enoooorme e tão desejada, mesmo sabendo que isso não faria a menor diferença na vida deles, sem ter a menor idéia do que me esperava depois...
Se amigos soubessem como fazem falta do outro lado do Atlântico!!! Mesmo com tantas descobertas, há coisas que não precisamos mais descobrir, que já estão conosco e prevalecerão para sempre, como os amigos.
Cartas não precisam mesmo de convenções... e nem de correio. Elas só necessitam fundamentalmente de duas coisas: da escrita e da leitura. Et voilà!
Cá estou eu, banhada em lágrimas, cinco minutos depois de dizer que estou achando que ficarei pouco tempo por aqui. E esse mesmo tempo agora vem parecer uma eternidade, porque vocês, amigos, não farão parte dele fisicamente.
Ah que diferença faria...

Amo. E é tudo.

Anônimo disse...

Gil, Dedéia
vcs são dois monstros que estão me fazendo chorar muito.
preciso me recuperar, preciso dar aula.

Igor Pushinov disse...

A vida é mesmo cheia de descobertas. Oceanos podem separar as pessoas, mas não há oceano no mundo que separe o amor e a amizade...

Anônimo disse...

Eu amo vocês. E mais não digo.