quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Feliz Ano Novo


Simples e direta, a mensagem deixada na caixa postal não dava margem a dúvidas. Então era definitivo. Seu jeito eloqüente e efusivo jamais permitiria uma mensagem com menos de três dezenas de palavras (ainda mais em uma secretária eletrônica onde o interlocutor é nulo) se tudo estivesse realmente bem. No fundo, todos já sabiam que não havia mais volta, nem recomeço. Apenas ele não gostaria que fosse verdade. E isso fazia com que todos os outros transformassem em verdade ao fingir que acreditavam. A verdade fingida era a de que tudo estava bem. E assim as coisas permaneciam.
Era o primeiro dia 1º sem estar junto de que ele se lembrava. Natais e festas de ano novo são sempre tão iguais que a mistura era algo inevitável – daí a confusão, o não saber exatamente quando fora seu último fim de ano sozinho. A mensagem curta e grossa – ainda que atenciosa, em condições normais – era provocativa e suficientemente clara a ponto de deixá-lo já um tanto aterrorizado com a falta. A ausência sempre doía.
Em datas especiais como essa, as feridas parecem aprofundar-se mais e, de repente, o que era cicatriz superada desabrocha num rompante surpreendente. Isso acontecia à maioria das pessoas problemáticas que com ele conviviam e a ele relatavam tais dores. Eram pessoas fracas, a seu ver. No entanto, depois desta mensagem em pleno 31 de dezembro, ele temia estar, ironicamente, se juntando a essa turbe louca de depressivos pré-réveillon. Isso ele não queria para si. Não justo naquela noite.
Dormiu o leve sono vespertino dos que pretendem passar a noite acordados; sonhou com telefonemas, mensagens, ondas, lágrimas e fogos de artifício. Acordou a tempo de pegar o belo pôr de sol do último dia do ano. Saiu então em busca de luz.
Ligou o celular. Várias chamadas não atendidas. O número era o já esperado, aparentemente desesperado ante a impossibilidade de completar a ligação. Um leve sorriso surgiu nos lábios ressecados. Pelo visto, as mudanças para o próximo ano teriam de esperar um pouco mais para começar. Nada precisa ser tão brusco como a virada de ponteiros que marca a mudança do dia e do ano.
Digitou rapidamente a mensagem no teclado do celular. A mesma mensagem ouvida na secretária eletrônica horas mais cedo, acrescida apenas de um “até a noite”. Nada então era definitivo.

4 comentários:

J.F. de Souza disse...

Cara... Curti muito o escrito!!! Ficou excelente!!! =)

Não fraquejemos este ano! Eu vou tentar...

1[]!

E feliz 2009!

Igor Pushinov disse...

"Nada então era definitivo".

Uma ótima frase pra começar o ano novo...

Cheios de esperanças, sonhos, recomeços, descobertas... a gente vai levando a vida e aprendendo com cada possibilidade que ela nos dá!

Evoé!

Anônimo disse...

Gil... Que texto lindo, querido!!!
Concordo que em datas assim, as grandes cicatrizes doem mais. Sei disso...

E esse nada então era definitivo... É, dizem que nada é definitivo. Mas algumas vezes, percebi coisas definitivas na vida...

Um beijo em vc e escreva mais!

Amor

Meio assim... disse...

Depois que descobri a ficção, obriguei-me a reler p/ ler outras palavras.
Sim, porque a história, nesse caso, não permanece igual.
Bonito. Tudo bonito. Diria mesmo que você amadurece nos contos...rs.
Novo ano.
E eu contando os dias pro primeiro abraço...