terça-feira, 4 de agosto de 2009

Sobre histórias, pensamentos e sentido (?)


Volta e meia pergunto a mim mesmo sobre o sentido de muitas coisas. Para quê, eu não sei. Por que quero ter explicações plausíveis pra tudo? Medo, insegurança... Olho ao meu redor e questiono se aquela senhora de cabelos semi-grisalhos que sacoleja comigo no trem da manhã pensa o mesmo. Que tipo de preocupação vai na cabeça dela, que olha a paisagem ladeada de trilhos de cor ferruginosa. Definitivamente não são as mesmas. Ou serão as mesmas, só que de outro jeito?
A senhora com seus pensamentos me faz pensar nas outras tantas pessoas que dividem comigo o vagão. Porque assim como a dela, as histórias dessas pessoas me comovem. Mesmo sabendo que tais histórias vão só nas cabeças delas, fico tentando inutilmente imaginar o que está por trás dos olhares vazios e ansiosos pela próxima estação. Exceto por uns e outros que resolvem contar pequenos trechos de suas sagas ao amigo ouvinte, ali do lado, receptivo e disposto a dialogar, a maioria dos que compartilham aquele reflexivo espaço vai com os pensamentos bem guardados em suas mentes. E todos têm tanta história...
Ninguém ali, justamente por não me conhecer, sabe quem sou eu, o que faço, o que fui, o que pretendo ser. Talvez tampouco interesse. Nesses momentos até gostaria de parecer que não sou nada nem ninguém... Gostaria de ser apenas o rapaz de cara amarrada e mochila meio surrada nas costas – este detalhe só é possível quando o espaço disponível no trem permite –, alguém que não fede nem cheira, alguém que é só um algo, um existir efêmero, um cara, um homem, um ser qualquer. Porque passar despercebido é não comprometer minha história com a história de ninguém.
Só que é impossível. Tem sido impossível. Quando falo em “sensação de mundo” é a isso que me refiro. O mundo grita e não consigo fingir que não vejo. A senhora de cabelos semi-grisalhos está indo para mais um dia ferrenho de trabalho e acabou de deixar em casa os dois filhos e a mãe doente. O marido chegou tarde ontem, muito bêbado e exigente. Saiu mais cedo que ela hoje, é trabalhador, honesto; no entanto não consegue não deixar amargas as vidas dos de sua família.
É a história dessa mulher pensativa e resignada que me faz me questionar sobre o sentido de todas as coisas que estão a minha volta. Me comove imaginar tantos dramas em vidas tão corriqueiras. Me deixa atônito a gravidade das situações vividas por todas essas pessoas.
O trem buzina, a porta se abre e eu desembarco. E a mulher de cabelos semi-grisalhos segue sua vida, fazendo como faz todo dia. E eu sigo a minha, agradecendo à mulher, objeto de minhas reflexões, pela oportunidade de me emprestar sua provável história para que eu possa tentar preencher as lacunas desse meu pensamento que voa tanto, sem motivo, sem itinerário e sem destino.

7 comentários:

Suelen Maria Rocha disse...

que bonito!

Suelen Maria Rocha disse...

que bonito!

Sol disse...

Eu não deveria me surpreender, afinal sei bem que esse olhar sobre o mundo não é estranho em vc, como tb em tantos de nossos amigos...
A gente, talvez por se sentir meio estrangeiro nesse mundo-cidade, acaba se entendendo mais e olhando em volta com uma curiosidade toda nossa.
Mas eu falei de surpresa. Sabe por quê? Porque tenho me acostumado terrivelmente mal aos discursos cotidianos, mesquinhos e preconceituosos à minha volta.
E, me desculpe, li seu texto com uma imensa felicidade a cada linha por não encontrar nem sombra desses pensamentos rasteiros. Peço desculpas porque eu jamais devia me alegrar com algo que já é nosso, algo q não deve surpreender, mas apenas ser contemplado.
É verdade, Gil. O nosso olhar sobre o outro pode nos fazer refletir e aprender a cada dia.

Anônimo disse...

Sinto falta do tempo em que eu tinha esse olhar de contemplação mais aguçado. Ando em tempos egocêntricos. Meus olhos estão voltados para dentro. O outro está apenas se integrando à paisagem. Sei que não é bonito isso que digo. É apenas verdade.

erica disse...

Oi Gil, sou a irmã do Bruno Franzon, lembra? Passei aqui e que surpresa ler seu blog.Vou ser leitora assídua. Mto interessante... Bjos

camila disse...

costumo fazer sempre isso pelas estradas. uma exercício bom para o teatro. e para a vida.

olhar para os outros e querer saber o que se passa em suas mentes, em suas vidas... saber o que os outros sentem, as coisas que os motivam...

e tenho vontade de passar desapercebida várias vezes.. mas nunca dá. a vida do outro cruza a nossa vida o tempo todo.

daí tem o acaso, destino, sei lá o que.. que junta a vida do outro, o jeito do outro, o mundo do outro, o pensamento do outro... à nossa vida, ao nosso jeito, ao nosso mundo, ao nosso pensamento.

e quando percebemos não só não passamos desapercebidos como deixamos e levamos marcas por aí.

te amo.

adoro esses seus textos. como diz a sol.. não são nada rasteiros...

e mel.. eu, às vezes fico assim tb.. olhando só pra dentro... mas de repente, mto de repente, recomeço a olhar para o mundo, a tocá-lo, a senti-lo... a olhar para as pessoas que vêm e vão por aí...

nessa nossa cidade... nessa nossa são paulo.. tão nossa.. mesmo para os não paulistanos... nessa nossa cidade... existem tantas vidas.. indo e vindo, vindo e indo...

qual será a próxima esquina?

os próximos encontros?

beijos em todos.

amor, amor, amor.

Igor Pushinov disse...

A busca de sentido: necessidade premente dos seres humanos em tempos de desilusão como os nossos!

Acho que o bonito da vida é a gente perceber que não existe um sentido pra tudo e é aí que vem a vontade de passar despercebido, "sem feder ou cheirar"...

O bonito de tudo isso Gil, é ver nas pessoas a própria possibilidade de vida existente nelas. Suas histórias, suas rotinas, seus amores, suas decepções... Quer prova mais bonita de que estamos vivos do que sermos capazes de nos emocionar com os outros?

Siga surpreendendo-se, bonito... assim vale mais a pena!